sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Maria Guadalupe Alexandre
http://www.jf-carreiras.pt/1_toponimos1.html


O topónimo Carreiras ou Carreira




Das 6 freguesias portuguesas denominadas Carreira ou Carreiras, segundo o Dicionário Lello Universal, 1.º Volume, ocupamo-nos da ultima citada na referida obra e que é a de S. Sebastião de Carreiras no Distrito e Concelho de Portalegre.
As outras cinco situam-se no Norte de Portugal, especialmente no Distrito de Braga (4), existindo uma no Distrito do Porto.
Temos: Carreira - freguesia do Concelho de Barcelos; freguesia do Concelho de Santo Tirso; freguesia do Concelho de Vila Nova de Famalicão.
Carreiras - freguesia do Concelho de Vila Verde, tendo como Padroeiro São Miguel; outra freguesia do mesmo Concelho, tendo como Padroeiro São Tiago.
A de Barcelos ostenta a torre de Penagate "muito antiga e já sem ameias"; a de São Miguel de Vila Verde guarda as ruínas da antiga torre de D. Egas Pais, valido Conde D. Henrique, pai do Fundador da Nacionalidade.
Falaram-nos alguns familiares da Freguesia de Carreiras na zona de Torres Vedras que desconhecemos, mas não quisemos deixar de referir.
No Norte Alentejano, a aldeia de Carreiras ou simplesmente Carreira, na linguagem dos mais velhos e mesmo na dos mais novos, em tom coloquial, forma atestada na poesia popular, tem como Padroeiro São Sebastião, o que raramente acontece, mesmo nas regiões onde o Mártir de Narbona é venerado.
O topónimo Carreira provém do latim CARRARIA que significa "caminho para carros"
A evolução fonética é a seguinte:
CARRARIA > Carraira (1) > Carreira (2)
1. atracção da semivogal para junto do tónico.
2. Passagem de "a" a "e" por se lhe seguir a semivogal "i".
No "Compêndio da Gramática Histórica Portuguesa", o seu autor, Dr. José Joaquim Nunes escreve: "A tónico, seguido imediatamente ou, separado apenas por uma só consoante (que ou cai ou persiste conforme a sua natureza) das semivogais "i" e "u", quer originárias quer provenientes de consoante, atrai estas ou passa respectivamente para "e" e "o" ou conserva-se inalterado, formando assim os ditongos "ei" ou "ai" e "ou" ou "au". Um dos exemplos é:
FURNARIU > furnairo > forneiro
Tudo muito fácil se a aldeia não fosse conhecida pelos seus caminhos que até à segunda metade do século XX não passavam de difíceis azinhagas, com enormes pedregulhos "nascediços" característica atestada pelo menos numa quadra popular e num excerto do poeta Domingos Fernandes dela natural.

"Já me davam dez moedas
para ir casar à Carreira...
E eu não quero as dez moedas,
para não subir a ladeira."

"És mal servida de estradas
e tens muito maus caminhos...
Mas tens muito boa gente
e eu vivo muito contente
no cimo dos teus canchinhos."

Assim, como teria ela tido ou sido caminho para carros?
Acresce que do outro lado da Serra que lhe fica a Nordeste existe um local também denominado Carreira (Escusa, freguesia de Aramenha) onde não se vislumbra qualquer indício de caminho.
Surgiu então a alguns estudiosos da zona outra hipótese de explicação do topónimo.
Carreiras teria provindo do nome francês Carriére oriundo do latim QUADRUS (quadrado) e que significa "local onde se exploram produtos minerais (não metálicos nem carboníferos) e em particular rochas próprias para a construção.
Rochas não faltam quer na aldeia quer no sitio com o mesmo nome, do outro lado da serra, mas não há vestígios de pedreiras.
Descontente com esta explicação encontrei uma outra que satisfaz ainda menos.
O vocábulo francês Carriére pode também provir do Latim CARRU, significando entre outras coisas uma "ampla superfície destinada a exercícios de equitação, em terreno descoberto".
Se existiu não deixou o mais leve indicio.
Voltei à CARRARIA que julgo mais apropriada a um povoado de origem remota (com monumentos e achados pré-históricos), situado a escassos quilómetros da cidade romana de Ammaia e com um velho caminho, mais tarde transformado em "estrada camarária" que desembocava (como actualmente) na freguesia de Aramenha, perto do local onde passava a VIA que ligava Ammaia a Ebora.
Na Revista "IBN MARUAN", n.º 13 pode ler-se o seguinte: "... esta via revestia-se de uma grande importância comercial, já que permitia o acesso aos célebres mármores de Estremoz e de Vila Viçosa, tão apreciados pelas elites urbanas e rurais."
E ainda:
Os caminhos pedestres que existem na região, alguns deles de origem romana, outros medievais, seriam importantes na interligação comercial do mundo urbano com o mundo rural (aglomerados secundários, VILLAE, casais ou pequenos sitios.)
Que existiu um caminho pedestre não parece difícil de aceitar, mas o topónimo aponta para carros e é dos carros romanos que vamos falar.
Em "História da Humanidade - Roma" (2008) há uma página consagrada aos meios de transporte em que se afirma:
"Havia definitivamente todo o género de carros para todos os gostos e fortunas."
Os mais relacionados com CARRARIA seria o CARRU, galera ou carroção puxado geralmente por dois cavalos. No entanto o conforto, a forma de tracção, a cobertura, o numero de rodas (2 ou 4), o facto de terem um ou mais cavalos de tiro, um ou mais lugares determinaram o aparecimento de veículos com as seguintes denominações:
RAEDA; SARRACA; ARCUMA; CISIUM
O mais utilizado era a RAEDA com capacidade para várias pessoas e muitas bagagens.
O mais luxuoso chamava-se CARRUCA e era parecido com um coche - 4 rodas, 2 ou 4 cavalos de tiro totalmente cobertos, com 4 assentos cómodos, por vezes enfeitado com ouro e prata.
Por sua vez o COVINUS podia ser conduzido pelo próprio viajante, sem necessidade de cocheiro. Marcial fala da "agradável solidão" que proporcionava.
Voltamos gostosamente, a CARRARIA proveniente de CARRU, vocábulo que embora latino é de origem gaulesa. Pelo possível caminho romano que ligaria os Alvarrões (Aramenha) a Carreiras só passariam carroções puxados por poucos cavalos. Não seria mais que um atalho estreito com sulcos abertos pela passagem repetida das rodas ou pela mão do Homem para facilitar essa passagem.
É claro que pela VIA de EBORA transitariam veículos de transporte de carga, de passeio...
Seria esse caminho a CARRARIA que passava por um VICUS que mais tarde lhe herdou o nome?
Apenas uma hipótese...

Bibliografia
Bernardo, Bonifácio dos Santos - Aldeia de Fortios, Memória Histórica. Edições Colibri, 2009
Fernandes, Domingos - Manuscrito
História da Civilização - Roma. Edição do Circulo de Leitores - 2008
IBN MARUAN (Número especial) São Salvador da Aramenha - História e Memórias da Freguesia
Coordenação de Jorge Oliveira - 2005
Larrouse em Couleurs (Dicionário Enciclopédico Unilingue) - 1981
Lello Universal
Dicionário Enciclopédico Luso-Brasileiro - 1974
Machado, José Pedro - Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa.

1 comentário:

José Galazak disse...

Caro Ruy Ventura,

Chamo-me José Luis e sou o marido da sua colega Antónia. Sou o autor desse quase-blog que dá pelo nome de «O País das Serpentes». Contacte-me pelo e-mail Samuel.Galazak@gmail.com, para podermos falar um pouco melhor. Fiquei bastante agradado de saber que escuta o canto das musas. Lamento, mas não sabia. Quando puder gostava de conhecer alguns dos seus trabalhos... se não vir nisso inconveniência.

NOTA: Acabo de publicar mais um trabalho no meu Blog. Falta adicionar a Bibliografia, mas lá irá. Espero que goste. Acredito há muito que temos de reescrever a História de Portugal...

Um abraço,
José Luis
(Samuel Galazak)

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